Tive o privilégio de conhecer algumas pessoas que considero geniais, com aquele “toque” que faz toda a diferença. Figuram nesse grupo seleto colegas cartunistas, cineastas, artistas, escritores, atores, roteiristas, para citar exemplos. Alguns eu só encontrei en passant, com outros convivi por um período. E tive a sorte de ser amigo íntimo de poucos. Todos gênios e cada um à sua maneira. Há aqueles que nem transparecem genialidade, mas, à medida que o tempo passa, percebemos o quanto são excepcionais.
Um desses gênios merece destaque: Millôr Fernandes. Esse foi o cara mais brilhante que conheci. Arrisco dizer que ele é o cara mais inteligente do mundo. E arriscaria mais ainda: Millôr não é um ser humano. É a personificação de Deus. Só Millôr salva!
Em 2000, Chico Caruso me convidou para um jantar no Marius Crustáceos, que ficava na praia do Leme, Rio de Janeiro. Para minha sorte – e azar do Millôr – sentamos um ao lado do outro. Enquanto eu degustava a linguiça do Marius, observava curioso aquele tiozinho careca, vestido com uma camisa branca bem passada e usando um relógio preto moderninho da Nike.
Para descontrair, no início do jantar fiz uma piada sacana com as linguiças servidas como entrada. Pegou mal. Sou bastante comunicativo e tentei trocar algumas palavras com Millôr. Ele me ignorou com muita classe, me chamando, de forma polida, inteligente e culta, de “surfista ignorante” – na época eu pegava umas ondas no Rio.
Só não joguei um embutido na cara dele porque ele era o… Millôr.
Uma hora, ele pediu um uísque caubói. Bebeu devagar, dando pequenos goles. Em seguida, subiu na mesa e começou a declamar poesias. Confesso que não curto esse tipo de lance em jantares, assim como não curto recitais de violão que não acabam nunca. Mas com o Millôr era diferente. Ele devia ter uns setenta anos e esbanjava a vitalidade de um adolescente. Só faltou finalizar o poema com cambalhotas na mesa.
Ao lado dele, eu me senti um velho. Depois das poesias, ainda fez um discurso. Falou sobre a “solidão intelectual do ser humano”. Disse que o cérebro era um órgão pra lá de complexo, com seus bilhões de neurônios, conexões, sinapses, etc., e que por isso o ser humano estava condenado à solidão intelectual. Olhava para todos enquanto discursava: “…E é por isso que tudo o que eu estou falando agora, ou vocês estão entendendo outra coisa, ou não estão entendendo nada!”.
Enquanto o jantar rolava, eu ia ficando cada vez mais hipnotizado por tamanha genialidade. Terminamos as linguiças e chegaram as lagostas. Ao dar uma mordida no crustáceo, tive uma iluminação e comecei a declamar: A lagosta foi um escorpião que um dia conheceu o mar, não teve medo de entrar na água, e ficou tão feliz que desistiu de produzir veneno.
Todos caíram na gargalhada, menos a divindade calva, que esboçou um leve sorriso. Depois das lagostas, veio o badejo e eu resolvi calar a boca para parecer inteligente.