Nasci em 1965 em Cachoeira do Sul, uma cidade encravada no centro do estado do Rio Grande do Sul. A região se chamava “Depressão Central”.
No meu tempo, na Idade da Pedra Lascada, os aparatos mais modernos eram a TV e o aparelho de som 3 em 1. O 3 em 1 era o objeto de desejo daqueles tempos: conjugava rádio AM e FM, toca-discos e gravador cassete. E esses eram os produtos com tecnologia de ponta. Havia o barbeador elétrico também, mas eu ainda não precisava usar. Telefone só existia o fixo. O modelo clássico de telefone, que pode ser visto em fotos e filmes do século passado, tinha um disco com dez furos do diâmetro de um dedo cada. Era um furo para cada número. A gente discava o primeiro número e esperava o disco voltar à posição inicial para discar o número seguinte. Trabalhoso, sim, mas era divertido.
Com o tempo, foram surgindo os telefones com botões. Sem dúvida eram mais práticos, mas não tinham o charme do modelo anterior. E muito depois, na Idade da Pedra Polida, surgiram os telefones sem fio. Os primeiros nunca funcionavam direito porque o chiado aumentava à medida que se distanciava o fone da base e a conversa ficava impossível com aquela barulheira. Então era praticamente obrigatório ficar próximo e acabava sendo o mesmo que ter um telefone com fio.
Quando eu tinha seis anos, algo inesperado aconteceu. Numa tarde, bateu aquela vontade de tomar sorvete e fui até o posto de gasolina próximo para comprar um. Uni-duni-tê salamê minguê o escolhido foi um picolé de coco da Kibon. Eu estava com água na boca. O picolé foi comido em segundos. Quando terminei, notei algo no palito. Aproximei meus olhos e li com atenção: “vale um toca-discos”. Fiquei olhando para aquela inscrição sem acreditar no que estava vendo. Pisquei. Pisquei de novo. Então li novamente: o “vale um toca-discos” ainda estava escrito no palito do picolé. Fui correndo mostrar para Elza, que trabalhava em casa. Ela me desdenhou e disse que era mentira minha. Virei as costas para Elza enquanto ela perguntava onde eu ia com tanta pressa. Voltei correndo ao posto de gasolina e mostrei o palito premiado ao dono. Ele me felicitou e confirmou que eu havia ganhado o prêmio.
Uma semana depois chegou o toca-discos. Era cor de laranja, portátil, com o autofalante na tampa. Tiraram uma foto minha no posto de gasolina segurando o aparelho. A foto saiu na capa do Jornal do Povo, o jornal local. Uma vizinha me disse que eu havia nascido com o cu virado para a lua. Naquele momento me senti especial e realmente acreditei que eu era sortudo.
No meu tempo, o Período Paleolítico, não existia videogame. Em compensação, havia as máquinas pinballs. O pinball foi a minha maior obsessão na infância. Eu passava todas as tardes no “Showtime”, o primeiro fliperama de Cachoeira do Sul.
Nasci um ano depois do golpe militar. Durante os meus primeiros anos corriam os anos de chumbo, embora eu nunca tivesse me dado conta disso na época. Era muito pequeno e meus pais não estavam nem aí. Eles queriam dinheiro, estabilidade e nada mais. Não almejavam utopias e pareciam não ter nenhuma ideologia. Lembro vagamente de algumas coisas. Como de uma música ufanista que dizia mais ou menos assim: “Eu te amo meu Brasil, eu te amo. Ninguém segura a juventude do Brasil…”. E tinha um slogan famoso também que era “Brasil, ame-o ou deixe-o”.
Minhas principais atividades na Pré-História eram: comer fruta no pé, jogar futebol no barro e arrumar briga com “estranhos”. Não exatamente nessa ordem. As frutas eram deliciosas. Os jogos de futebol eram verdadeiros clássicos da lama. E as brigas eram limpas, qualquer tipo de arma era proibido. No máximo uma pedra ou um pedaço de pau.
Tudo era muito mais tranquilo naquela época. Não se ouvia falar de assaltos e assassinato só rolava um a cada dez anos. Eu ia sozinho e caminhando até a escola. Podia andar sossegado à noite. Até os meus dezoito anos devo ter visto somente uma arma de fogo. Era um rifle que o meu avô usava na chácara para caçar e espantar bichos.
Ler gibis e assistir desenho animado na TV eram outros dos meus passatempos prediletos. Além de adorar todo tipo de esporte: futebol, tênis e remo foram alguns dos que pratiquei.
Lembro que eu não perdia um capítulo de “O Sítio do Picapau Amarelo”. E meus desenhos preferidos eram Tom & Jerry, Corrida Maluca, Pica-Pau, Pantera Cor de Rosa e Popeye. Só que minha Pantera não era rosa porque nossa TV era em preto e branco. Nessa época quase não havia TV colorida no Brasil, então eu me sentia enganado com minha Pantera Cor de Rosa cinza.
Do pátio de trás da minha casa eu avistava a casa do vizinho. Eles tinham muito mais grana que a gente. Um dia na janela da sala deles brilhavam umas luzes coloridas. Curioso, pulei o muro – naquela época, a gente pulava muros sem levar tiro – e me aproximei da janela. Era a primeira vez que eu via uma TV em cores! Entrei sem bater, afinal, éramos muito amigos, e a primeira coisa que fiz foi aproximar meu rosto até o nariz encostar na tela. Ah, aqueles pixels com as cores básicas separadas! Eu estava hipnotizado… A marca da TV era Telefunken. E era maior e mais nítida do que a nossa.
Desse dia em diante eu passava as tardes assistindo TV na casa dos vizinhos. Enfim, a Pantera Cor de Rosa era de fato rosa, Pica-Pau tinha a crista vermelha e o corpo azul e a calça do Popeye era azul-marinho, como tinha que ser. O problema era quando eu voltava para minha casa e tinha que voltar para o mundo das sombras em preto e branco. Era como tomar vinho Luigi Bosca e depois ter que encarar um Sangue de Boi. Cheguei a colar papel celofane colorido na nossa TV, mas o efeito não era o mesmo. Para mim, ao avistar as cores pixeladas naquela Telefunken do vizinho, havia terminado uma era e outra começava, bem diante de meu nariz.