Asterix e Tintim

Aprendi a ler antes de entrar no primário. E posso dizer que meus primeiros professores eram famosos. Walt Disney e Mauricio de Sousa eram seus nomes.

Pois é, fui alfabetizado com histórias em quadrinhos. Meu principal passatempo na infância era folhear gibis. Aquelas imagens em sequência e aqueles balões com símbolos enigmáticos me hipnotizavam. No início minha tia me deu umas dicas e depois de algum tempo comecei a decifrar o conteúdo dos balões. Os desenhos tornavam a tarefa mais fácil. Meus pais me contaram que um dia ficaram espantados quando me viram soletrar e pronunciar algumas palavras, mesmo que ainda não tivesse sido oficialmente alfabetizado.

Meu grande tesouro estava debaixo da minha cama: caixas de papelão cheias de gibis. Meus personagens preferidos eram Mickey, Pato Donald, Zé Carioca, Tio Patinhas, Mônica e Cebolinha. Mas a lista continuava. Tinha também gibi do Recruta Zero, Bolota e um pouco de super-heróis. Ah, e tinha a revista Kripta, um clássico do terror e algumas HQs eróticas. De putaria, para ser mais claro.

Um dia peguei um gibi do meu pai chamado Tex. Eu já tinha passado os olhos nele, mas não achava muita graça porque era em preto e branco. Tempos depois, quando peguei o ritmo da leitura e li o primeiro volume, fiquei viciado no ranger Tex Willer. Comprei todos os álbuns que pude, garimpando em bancas e sebos. As aventuras eram emocionantes. Lembro que não conseguia interromper as leituras no meio. E quando terminava, não sossegava até ler a próxima história. Depois fiquei sabendo que um amigo tinha todos os gibis do Tex. E ele queria se desfazer da coleção. Então combinamos uma troca. Ele gostava de umas almofadas que eu tinha em casa. E assim eu consegui toda a coleção do Tex em troca de quatro almofadas. As almofadas eram da minha mãe. Felizmente ela nunca notou o sumiço.
 
Na época dos gibis da infância, o tempo passou um pouco e eu já lia perfeitamente. E aos dez anos fui apresentado ao quadrinho europeu, quase ao acaso. Uma noite meus pais foram jogar cartas na casa de um casal de amigos. Era madrugada e a jogatina continuava. Eu estava completamente entediado. O dono da casa, o chamavam de Pito, percebendo a situação, me levou até a confortável sala de leitura e me mostrou sua coleção de álbuns de quadrinhos. Ele tinha todos os livros do Asterix e Tintim. Eram pilhas e pilhas! Até aquele momento eu nunca tinha tido contato com o quadrinho europeu. Era algo novo para mim. Então li o primeiro e não consegui mais parar.

Em cada visita ao casal amigo de meus pais eu devorava uns três ou quatro álbuns, alternando entre Asterix e Tintim. Pito era culto e de vez em quando me explicava o contexto histórico de Asterix e Tintim. Eu sentia que era a primeira vez que eu estava lendo um quadrinho com mais densidade, com mais substância, não sabia explicar. Era diferente. Eu me entretinha e ainda aprendia geografia e história. Um dia terminei de ler todos os gibis. Então eu recomecei do zero e foi tão prazeroso quanto da primeira vez. Eu chegava a suplicar aos meus pais para eles voltarem àquela casa. 
Até que um dia meus pais deixaram de visitar os amigos e eu nunca mais ouvi falar deles. Serei eternamente grato a esse casal.

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